.Eis-me a desaguar
A verter o teu último olhar
Só
Contigo algures a cintilar
Cinzas
A pulsar no céu
Inocente fogo que nasce para cessar
Procuro-te, perdendo-me nas ruas desta cidade
Quero o teu útimo olhar
A mentira ou a verdade
Algo que me faça serenar
Não quero ver o alvorecer da fealdade
Como arde
A borboleta que me consome
Como é doce
O sabor do mel a definhar
A tua mão outrora foi minha
Estou só nesta viagem
Calor que ora aquece ora definha
Ritmado, dolente e resignado
Só
Apenas a dor quero fruir
Engolir um cardo espinhoso a florir.
.Quando o sol se põe
Fecho os olhos para te encontrar
Escorrer até desaguar talvez no teu olhar
O sal que perdura
O sal que abre as feridas
Que as carcome e enche de luz e memórias
Rosa-dos-ventos sanguinária e afiada
Que abre caminho através pela carne rumo aos ossos
Às pedras que nos compõe
Sobre ti repousa um véu de cinza sepulcral
Brota do chão uma frondosa rosa bordada pela solidão.
.Saudade
Sol escorre até se abrigar nas agruras do mar
Um gesto tingido por agonia
Uma lágrima banhada pelo sol esparso
Uma lâmina apontada aos primórdios da dor
Nada mais ser que a cinza que perdura entre as estrelas
O pó que banha a imensidão
Só
Solidão
Acordar
Erguer-me para cair outra vez
Mostra-me tudo o tens no teu olhar
Da doçura da candura
Ao sal que perdura.
.Sal que me percorre as veias
Rumo ao sul
S
Coração que bate pesaroso
Salgado
Mar temperado
Com mágoas
Crispado e revolto até ao fim
S
Pobre e frágil a barca
Que me serve de caixão
Suspenso
Atordoado
Num éter-salvação
S
Sal que transformas numa chaga
Este meu corpo degradado
S
Embala-me
Com a serenidade que precede uma tempestade
Devolve-me
Perene a florir liberdade.
.Outrora
N
Escorrem os dias
Desde que perdi o Norte
Corre um rio dentro de mim
Revolto e crispado
Onde perduram diluídos numa massa infinda
Os restos de mim
N
Recordo-me
Ergo pensamentos
Que se esvanecem dentro de mim
Luto, ergo-me e agito-me
Rio desgovernado que jaz na foz
N
Sento-me
Penso e recordo
A pureza translúcida dos olhos da minha Mãe.
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