.O chão que tu pisas
Que semeias a cada passo teu
Com a doçura do teu perecer
As folhas caídas
Que esmago a cada passo meu
Laivos de vida a fenecer
Tu, meu Outono a desabrochar
Bando de borboletas a florir
Eu, um inverno por findar
Bosque de crisálidas a carpir
Eis
[O] crepúsculo que deságua
Orvalho salgado por condensar
A seiva amarga
Que jaz podre dentro de mim
Não mata a minha sede por escuridão
Que este teu chão seja o meu caixão.
.Eis o homem
Prostrado e derrotado
No silêncio onde se dilui o clamor
Escavo por entre o caos amarrotado
Semeado por folhas sem fim
Anseio beber o ar límpido das manhãs
Embriagar-me com o suor do mar
Escavar, semear e, por fim, definhar
Eis-me
Sangue atormentado
Ao vento semeado
Eis a mentira podre
Que usava para te confortar
Fruto conspícuo
Que me está a envenenar
Eis-nos
Confinados numa prisão de carne
Almas cândidas (que)
Pó se irão tornar
Vê, eis o fim
Como é bela a escuridão em ebulição.
. Esta noite, só esta noite
Vou regressar aos restos de ti
Fecho os olhos e consigo
Cheirar o verde esmeralda
Arrumar o caos que há em mim
Soprar o pó que me preenche as entranhas
Escuto a alva música que esqueci
Como tenho estado absorto
Estático, amnésico e morto
Memórias que esqueci
De cegueira anos padeci
Frio e sozinho
Perdido sem achar caminho
Longe de mim
Mal consigo respirar
Nesta prisão
Nestas paredes sem significado
Piso a terra húmida
Respiro a inocência da alvorada
Fenece por fim a carne conspurcada.
.Eis-me a desaguar
A verter o teu último olhar
Só
Contigo algures a cintilar
Cinzas
A pulsar no céu
Inocente fogo que nasce para cessar
Procuro-te, perdendo-me nas ruas desta cidade
Quero o teu útimo olhar
A mentira ou a verdade
Algo que me faça serenar
Não quero ver o alvorecer da fealdade
Como arde
A borboleta que me consome
Como é doce
O sabor do mel a definhar
A tua mão outrora foi minha
Estou só nesta viagem
Calor que ora aquece ora definha
Ritmado, dolente e resignado
Só
Apenas a dor quero fruir
Engolir um cardo espinhoso a florir.
.Quando o sol se põe
Fecho os olhos para te encontrar
Escorrer até desaguar talvez no teu olhar
O sal que perdura
O sal que abre as feridas
Que as carcome e enche de luz e memórias
Rosa-dos-ventos sanguinária e afiada
Que abre caminho através pela carne rumo aos ossos
Às pedras que nos compõe
Sobre ti repousa um véu de cinza sepulcral
Brota do chão uma frondosa rosa bordada pela solidão.
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