.No fundo da garrafa
Dormem partículas de sonhos dispersos
Conservados num licor que escorre dolorosamente para os copos
Sequiosos de sofrimento
Nas tuas asas quero voar
Aturdido e perdido sem esperança de uma salvação
Que não procuro
Que me apraz recusar
Dai-me a beber aquilo que me é doce
Mesmo que tenha a cor da amargura
Dai-me o veneno dos séculos
Adormecidos numa garrafa
Maturados para lá da podridão
Tenho medo de regressar a mim
De estremecer e acordar o sono que em ti se deleita
Um sono licoroso e pesaroso a reverberar canções feridas
Xaradas metafísicas e quânticas que nunca saberei responder
Ilhas espoletadas num cortinado azul
Ilhas que são estrelas
Que afinal são pedacinhos de luz num pulsar enevoado
Ditirambos num ressoar trágico inauguram lugares da mente que desconheço
Uma batalha de cócegas que não sabem se são partículas ou ondas
Sangue venoso acariciando uma pele
Que estala como folhas de Outono
Sangue a sequioso de um copo de vida
Abandonado num corpo que se transforma em pó pelo lado dos ossos
A força das copulações
Encravada rosto
Semeada esperança numa pegajosa ejaculação
Dentro de um athanor de carne quente e rosada
Todo eu sou chamas
Recebidas no âmago de gotas de água redondas
Roubadas aos céus revoltos do início
Rasgo crateras nos céus do córtex
Em busca de caminhos pesarosos e dolorosos
Esgares lentos de salvação
Desejo absurdo pela danação
Nas arcadas do tempo consumido
Vive a criança opaca e feita de ossos brancos e dolorosos
Gostava de lá me sepultar
Incoerentemente desdenhar um abrigo
Que hoje sei está perdido.
.Acordo para a noite
Invadido pela cidade
De cruzes salinas sepultadas na escuridão
O arrepio frio da noite
Escorre pelas costas de uma mulher
Numa facada afiada pela vida
A quentura pálida da Lua
Engrandece a solidão que ressoa nos pilares que deixarão cair o mundo
Abandono-me a mim
Sussurrando passos e vultos pelos caminhos
Certeiros da perdição
Congratulo-me por no fim te perder
Entre beijos gretados por securas e amarguras
Entre promessas languidamente degustadas pelo tempo
Enfim só
Na mais suprema presença de mim
Descobrindo-me num espelho celestial
Um crescente de vida
Que se fina lá - onde tudo é obscuro.
.Dias translúcidos
Pórticos entre noites adjacentes
Dias resumidos a sombras
As sombras são um abrigo no interior de uma tempestade de luz
As estrelas são o sal que purga o Universo
A Réstia de luz polvilhada pelos cosmos
Ergue o braço e escreve os teus sonhos num interstício nocturno
Sopra-os até às estrelas
Elas fá-los-ão ecoar a cada pulsar
Morrem as estrelas fica a sua luz
Morres e restam alguns sonhos
Talvez agora sejas um buraco que engole a luz
? Será que os buracos negros são assim tão negros
Na sua fome de luz
No seu sangue feito de sonhos derretidos.
.Puxo de dentro de mim tudo aquilo que é frio
Expiro-o entregando-o ao frio que me acompanha ao longo do caminho
Por aí
Dando passos pesarosos em terrenos moles
Ocultos na escuridão oferecida pelo fim de tarde
Ao fundo das luzes, à direita da penumbra
Existem caminhos servidos sobre a terra
A mesma terra que sepulto por baixo do alcatrão
Piso a terra que amanhã aposto como perdida
Abafada e silenciada até gritar e libertar vagas telúricas
O eterno retorna ao primordial
Para lá vejo luzes
Pontes e estradas formando cruzes
Percorridas por luzes
De um amarelo retorcido e ruidoso
Perigoso e melindroso
Penso e invento um fim
Para cada pontinho de luz
Desço fundo até aos lamaçais de mim e afogo a esperança
Que se esconde entre os cabelos da cidade
Faltas-me e morres-me
Do princípio ao fim de cada segundo
Ventos petrificam a pele
Consolam-me esta solidão
Tão minha como tua, tão tangível como nua
Hoje pergunto-me quem sou
Não
Prefiro que guardes a resposta
Que a abandones e deixes ser consumida por cada segundo até nada restar de mim
Perco-me enfim
Seguramente confuso e obtuso
Sento-me e contento-me com aquilo que me é dado a vislumbrar
Desapareço tornando-me subliminar.
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