Hoje acordei com nevoeiro , voltei ao meu refúgio com nevoeiro. O nevoeiro hoje foi o meu refúgio fora do meu refúgio. Inspiro e bebo o nevoeiro, assim sei os seus segredos tal como ao inspirar este sabe dos meus. No meio do ciclo de inspirações e expirações pareceu-me sentir uma presença. Procurei-te e encontrei-te num bailado cristalino, olhei-te com a admiração de uma criança, perdi a noção de tempo e fiquei absorto por ti. Vi a beleza no seu estado de pureza máximo, aquela beleza para lá de convenções e mitos, aquela que era tua e minha ao mesmo tempo. O mundo nunca me pareceu tão belo, tão singelo. Tudo isto se passava entre paredes de betão opaco onde reina a morte, a dor, a degradação, o choro... Por momentos, tudo isto desapareceu do meu horizonte mental. Por momentos presenciei a beleza e fui feliz. Por momentos toquei a perfeição máxima que fui, sou e serei capaz de atingir. Nesse momento fui tudo no nada daquilo que sou. Tudo isto durou toda a eternidade que pode estar contida numa faixa de tempo que não sei precisar. Hoje vi e senti (com toda pluralidade dos sentidos) algo que ajuda a justificar a minha linha de vida. Hoje sou mais inteiro. Se a vida tem sentido, descobri algum dele hoje. Quando o bailado cessou não senti tristeza, de facto o existir pressupõe a naturalidade de um fim. O existir pressupõe um fim que se prolonga na imutabilidade finita que sou eu. Hoje vivi milhões de anos num momento, vi a luz e a escuridão incorporadas por algo que ultrapassa as minhas palavras.
Foi no nevoeiro que descobri a revelação em forma de bailado . Foi no nevoeiro que morri e renasci. Foi no nevoeiro...