Guio pela noite, guio pela mesma estrada de sempre. Maldito Natal, malditas recordações que me trazes. Viajo na noite, ao sabor da sua brisa tragicamente patética. Como é patético o meu propósito. Fumo o maldito do último cigarro. Conduzo devagar ao sabor da vertigem lunar, abro mais o vidro para melhor sentir aquela brisa de mar. Aquela brisa será aquela em que me vou libertar, em que vou redimir o peso do sofrimento penso e guio. O penhasco está próximo, sinto o carro a pisar as irregularidades do terreno trazendo ao meu estômago uma agitação, um vómito e um nojo desta vida. Saio e olho o meu horizonte, o meu horizonte. Grito com a força de um bebé envolto em sangue materno. Grito, tenho todos os gritos do mundo em mim. Dói-me o sangue que ainda tenho. Dói-me ter amado como te amei e ter tido prazer em odiar-te. Triste imagem de mim a que tenho agora, não passo de um actor a fazer o papel de desgraçado mas sem a graça inerente. Volto ao carro olho-a preta e reluzente , olho as balas prata ao lado dela e sinto pena de mim. Pena de mim de ter amado e odiado alguém mais do que a mim mesmo. Não sou nada, nunca serei nada. Sou um nado morto suposto vivo. Fecho a merda da porta. Volto para junto do penhasco, apetece-me saltar e voar. Eu sei que voarei, eu sei que voarei como um pássaro durante instantes. Olho ao céu e vejo o Pai Natal e as suas renas. Aceno e grito: -Então Pai Natal qual é a minha prenda. Diz ele: -É uma dose de espírito natalício. -Merda , venho voar para a semana.